Como iniciamos nos artigos anteriores seguiremos com nossa rota rumo à educacao, desta vez na busca do mundo que queremos: QUE MUNDO QUEREMOS COM ESTA EDUCAÇÃO? A professora Elisa Gonsalves, da UFPB, (na foto comigo) é uma das pessoas que vejo como referencia que se preocupa em buscar também novos rumos para o mundo que queremos, propondo novas perspectivas para a educação.
Quero um mundo em que meus filhos cresçam como pessoas que se aceitam e se respeitam, aceitando e respeitando outros num espaço de convivência em que os outros os aceitam e respeitam a partir do aceitar-se e respeitar-se a si mesmos. Num espaço de convivência desse tipo, a negação do outro será sempre um erro detectável que se pode e se deseja corrigir. Como conseguir isso? É fácil: vivendo esse espaço de convivência.
Vivamos nosso educar de modo que a criança aprenda a aceitar-se e a respeitar-se, ao ser aceita e respeitada em seu ser, porque assim aprenderá a aceitar e a respeitar os outros. Para fazer isso, devemos reconhecer que não somos de nenhum modo transcendentes, mas somos num devir, num contínuo ser variável, mas que não é absoluto nem necessariamente para sempre. Todo sistema é conservador naquilo que lhe é constitutivo, ou se desintegra. Se dizemos que uma criança é de certa maneira boa, má, inteligente ou boba, estabilizamos nossa relação com ela de acordo com o que dizemos, e a criança, a menos que se aceite e se respeite, não terá escapatória e cairá na armadilha da não aceitação e do não respeito por si mesma, porque seu devir depende de como ela surge – como criança boa, má, inteligente ou boba – na sua relação conosco. E se a criança não pode aceitar-se e respeitar-se não pode aceitar e respeitar o outro. Vai temer, invejar ou depreciar o outro, mas não o aceitará nem respeitará. E sem aceitação e respeito pelo outro como legítimo outro na convivência não há fenômeno social. Vejamos o que é aceitar e respeitar a si mesmo.
Há alguns dias uma amiga me contou uma conversa que teve com a sua filha, pedindo minha opinião. Seu relato foi o seguinte: “Tive uma conversa com minha filha (Juanita, de 8 anos) que me disse: - Mamãe, você não me conhece. – Que isso, Juanita, como não te conheço? – Mamãe, você não conhece porque não sabe que sou uma pessoa feliz e livre”. Ao escutar esse relato, minha reflexão foi a seguinte: “Minha amiga, acho que compreender o que Juanita quis dizer quando falou que é feliz é relativamente fácil, e não tenho mais nada a dizer sobre isso. É sobre o que é ser livre que quero dizer algo. Juanita não fala a partir da razão, mas a partir da emoção. E, a partir da emoção, o que ela disse é que não se sente culpada por seus atos. Para que ela não se sinta culpada por seus atos, ela tem que vivê-los em sua legitimidade, porque não se sente negada em sua relação com você, e se aceita a si mesma. Juanita não pensa e não sente que tenha que mudar; não pensa nem sente que algo esteja errado com ela. Ao mesmo tempo, se respeita, e não pede desculpas pelo que faz; quer dizer, age sem fazer essa reflexão com base em sua própria legitimidade. Meus parabéns! Como mãe você é uma pessoa que não nega sua filha com exigências nem com castigos, e a deixa viver o seu devir no amor que a constitui como ser social”.
Repito: sem aceitação por si mesmo não se pode aceitar e respeitar o outro, e sem aceitar o outro como legítimo outro na convivência, não há fenômeno social. Além disso, uma criança que não se aceita e não se respeita não tem espaço de reflexão, porque está na contínua negação de si mesma e na busca ansiosa do que não é e nem pode ser.
Como poderia a criança olhar para si mesma se o que vê não é aceitável, porque assim a têm feito saber os adultos, sejam seus pais ou professores? Como poderia a criança olhar para si mesma se já sabe que algo está sempre errado com ela, porque não é o que deve ser ou é o que não deve ser? Se a educação chilena não faz com que as meninas e os meninos chilenos se aceitem e se respeitem, aceitando e respeitando os demais ao serem aceitos e respeitados, a educação vai mal, e não serve para o Chile.
Mas a aceitação de si mesmo e o auto-respeito não se dão se os afazeres de uma pessoa não são adequados ao viver. Como posso aceitar-me e respeitar-me se o que sei, quer dizer, se meu fazer não é adequado ao meu viver e, portanto, não é um saber no viver cotidiano, mas sim no viver ficcional de um mundo distante? Se o pensar que as crianças do Chile aprendem não é um fazer no espaço da vida cotidiana da criança no Chile que ela vive, a educação chilena não serve para o Chile.
Como posso aceitar-me e respeitar-me se estou aprisionado no meu fazer (saber), porque não aprendi um fazer (pensar) que me permitisse aprender quaisquer outros afazeres ao mudar meu mundo, se muda meu viver cotidiano? Se a educação no Chile não leva a crianças a fazeres (saber) relacionados com seu viver cotidiano, de modo que ela possa refletir sobre seus afazeres e mudar de mundo sem deixar de respeitar a si mesma e ao outro, a educação no Chile não serve para o Chile.
Como posso aceitar-me e respeitar-me se não aprendi a respeitar meus erros e a tratá-los como oportunidades legítimas de mudança, porque fui castigado por equivocar-me? Se a educação no Chile leva a criança a viver seus erros como negação de sua identidade, a educação no Chile não serve para o Chile.
Como posso aceitar-me e respeitar-me se o valor do que faço se mede pela referência ao outro na contínua competição que me nega e nega o outro, e não pela seriedade e responsabilidade com que realizo o que faço? Se a educação no Chile estimula a competência e a negação de si mesmo e do outro que a competição traz consigo, a educação no Chile não serve para o Chile.
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